
Vivre sa vie, Godard. Cena 462. Diálogo: Nana e o desconhecido;
Nana:
De repente eu não sei o que dizer;
isso acontece muito comigo...
Eu sei o que quero dizer. Eu reflito
sobre o que quero dizer,
mas no momento de dizer,
eu não consigo
Desconhecido:
Sim, claro.
Você leu os Três Mosqueteiros?
Nana:
Eu vi o filme. Por quê?
Desconhecido:
Porque nele, Porthos,
e isso se passa na verdade
vinte anos depois.
Porthos, o grande, o forte,
um pouco besta,
ele nunca pensou em sua vida, compreende?
Então, uma vez ele tem de implantar
uma bomba numa adega, para explodí-la.
Ele o faz.
Ele coloca a bomba, a acende,
e sai correndo, naturalmente
mas de golpe, ele começa a pensar
e ele pensa no quê? Ele se pergunta como
ele pode colocar um pé após o outro.
Você já deve ter pensado sobre isso, também,
e então ele pára de correr. Ele não pode
mais, não pode avançar.
Tudo explode, a adega cai sobre ele.
Ele a segura com seus ombros, ele é forte.
Mas, depois de um dia, ou dois
ele cede, e morre.
A primeira vez que ele pensa,
ele morre.
Nana:
Por que me conta essa história?
Desconhecido:
Sem razão, só por falar.
Nana:
E por que a gente precisa sempre falar?
Muitas vezes devíamos nos calar,
viver em silêncio.
Quanto mais fala-se,
menos as palavras significam.
Desconhecido:
Talvez, mas como se pode?
Nana:
Eu não sei.
Desconhecido:
Eu acho que não podemos viver sem falar.
Nana:
Então é isso, eu gostaria de viver sem falar.
Desconhecido:
Sim, isso seria bom, não?
É como se não amássemos mais,
Mas não é possível, nunca vai ser.
Nana:
Mas por quê? As palavras deviam
exprimir exatamente o que queremos dizer.
Elas nos traem?
Desconhecido:
Mas nós as traímos também
Nós devíamos poder dizer
o que queremos,
como já foi feito com a boa escrita.
É mesmo extraordinário que um homem
como Platão...
a gente pode ainda compreender -
a gente compreende,
ainda sim ele escreve em Grego,
há 2500 anos.
Ninguém realmente sabe a língua daquela
época, ao menos exatamente,
Mas ainda assim nos passa alguma coisa,
então nós devemos poder nos expressar,
É nós precisamos...
Nana:
E por que devemos nos exprimir?
Para se compreender?
Desconhecido:
Nós precisamos pensar, e para pensar,
é preciso falar...
Não há outro jeito de pensar,
e para comunicar, deve-se falar;
é a vida...
Nana:
Sim, mas ao mesmo tempo
é muito difícil,
eu acho que a vida devia ser fácil.
Você sabe, a sua história dos Três
Mosqueteiros pode ser muito boa,
mas é terrível!
Desconhecido:
Sim, mas é uma indicação.
Eu acredito...
que aprendemos a falar bem quando
renunciamos à vida por algum tempo
É quase... O preço.
Nana:
-Então, falar é mortal?
Desconhecido:
Falar é quase uma ressurreição
em relação à vida,
quando falamos é uma outra vida
de quando não falamos
Então, para viver falando
deve-se passar pela morte
da vida sem falar...
Eu talvez não esteja sendo claro,
mas há uma certa regra ascética que
te impede de falar bem
até olharmos a vida
com desapego...
Nana:
Mas não se pode viver a vida
com... Eu não sei...
Desconhecido:
...com desapego!
Sim, mas nós balanceamos, é por
isso que devemos passar do silêncio às palavras.
Nós balançamos entre os dois
porque é o movimento da vida
Da vida cotidiana nós nos elevamos
a uma vida que chamamos de superior
é a vida do pensamento
mas essa vida pressupõe
a morte da vida cotidiana...
da vida demais elementar.
Nana:
Mas então pensar e falar
se parecem?
Desconhecido:
Eu acredito.
Platão o disse; é uma idéia antiga;
Nós não podemos distinguir do pensamento
o que é o pensamento e as palavras que o exprimem
Analisando a consciência, você
não consegue separar o momento de pensar das palavras.
Nana:
Falando, então, a gente arrisca mentir?
Desconhecido:
Sim porque as mentiras são também parte de nossa
busca. Há pouca diferença entre erro e mentira, e
não quero dizer mentiras comuns,
como eu, prometendo ir te encontrar amanhã,
mas não vou porque não queria.
Entende? Esses são truques,
mas uma mentira sutil
é pouco distante de um erro.
A gente procura, e não consegue
achar as palavras certas...
É por isso que você não conseguia saber
o que ia dizer,
você tinha medo de não achar a palavra
certa. E eu acho que é isso.
Nana:
Sim, mas como ter certeza
de ter encontrado a palavra certa?
Desconhecido:
Deve-se trabalhar.
É necessário um esforço
Deve-se falar num modo
que é certo, não machuque,
diga o que há para ser dito,
faça o que tem de fazer
sem machucar, nem ferir.
Nana:
Sim, um deve tentar ser de boa fé...
Uma vez alguém me disse "A
verdade está em tudo, mesmo no erro".
Desconhecido:
Isso é verdade. Isso não foi visto
na França no séc XVII.
Eles achavam que podiam evitar o erro
e ainda mais que isso, que
podia-se viver na verdade diretamente.
Creio que não seja possível,
por isso há Kant, Hegel, a filosofia
alemã: para nos conduzir à vida
e nos fazer ver que devemos passar pelo
erro para chegar na verdade.
Nana:
O que você pensa do amor?
Desconhecido:
O corpo tinha de chegar nisto.
Leibniz introduziu o contingente.
Verdades contingentes e
verdades necessárias fazem a vida cotidiana.
Aos poucos chegamos na filosofia alemã
onde...pensamos, na vida, com os erros da vida,
com as servitudes da vida
e deve-se lidar com isso, é verdade.
Nana:
O amor não deve ser a única verdade?
Desconhecido:
Mas para isso, o amor deveria
ser sempre verdadeiro.
Você conhece alguém que sabe
de cara quem ele ama?
Não é verdade. Quando você tem
vinte anos não sabe o que ama
Você sabe migalhas, se agarra
só a sua experiência
Você diz "eu amo isso",
é sempre uma mistura
Mas para ser constituído inteiramente
daquilo que se ama, é preciso a maturidade
E isso significa buscar.
E é essa a verdade da vida. É por isso que o amor é uma solução,
na condição de que seja verdadeiro...
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