"...escuros enigmas habitados de vida mas sem sons (...)" Hilda Hilst.
Nariz. Cheiro de chuva. Pé. Poça de lama, pedaços de papéis coloridos picotados como se dessem pra juntar e ler algo. Guarda chuva vermelho pra rosa com goteiras. Chuva que aperta. Porta aberta, entra. Gatos e livros, mais gatos muito mais livros, pessoa falando no telefone sentada em livros, telefone sobre livros. Cumprimento de olhos tímido antipático. Procura algo pra passar. Tempo. Olho que não foca. No teto sobre o lustre mais livros. Pilhas que ameaçam cair. Vê aquele, no meio que era fim de uma das grandes. Passa a mão, tenta pegar sem convicção. A pessoa do telefone nem levanta os olhos. Está falando sobre a crise mundial, compara o colapso econômico com o colapso de seu casamento. Ri da conversa. Distraída e com convicção, puxa o livro. Claro, toda a pilha tomba em sua cabeça, derrama pro pé e, seu corpo cai sobre a pilha de trás. Mais uns tantos livros que caem. Tentar segurar. Homem que grita. O livro que some. A vergonha. Páginas despedaçadas. Pega uma das soltas e vai embora sem olhar pra trás. Chuva não para. Entra no primeiro ônibus. Senta e Lê:
-"Descobri hoje o tipo de coisa que ando sentindo, pode decepcionar por ser só o tipo e não o mais, o que seria a matéria, coisa que por sei lá quê, prefiro desconhecer. O tipo: sentimento clandestino."
Engole a página para que as palavras sejam suas. Descobre-se na clandestinidade de si. Nas farsas de palavras de desconhecidos, mais íntimos que ela. Mais facilmente íntímos...
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